Sento-me mais uma vez. O dia parece ter parado no tempo e as horas não avançam. Perdi a conta às vezes que parei para o fazer. O corpo dói, a alma leve como uma pena, encontra-se mais vazia que há 3 dias atrás. Daqui a pouco larga-se da minha matéria e pede divórcio por não a manter viva e resplandecente como antes. Não a censuro, até eu estou cansada e esgotada de mim.
Nos intervalos em que descanso (pois o corpo não aguenta) as lágrimas não tardam em sair... Olho em redor e vejo o alvoroço traçado neste espaço. Existem andaimes repletos de caixotes, uns vazios, outros não. São às dezenas, ou talvez centenas. Isto é enorme visto do canto onde me encontro. Estou sentada no sopé de um desses andaimes. Z1-C18-L2-1 são as minhas coordenadas. Será que alguém me vem buscar? Tivesse eu pernas e não fosse este cubo sem recheio! Sinto-me uma mercadoria esquecida pelo tempo, usada e abusada, velha e sem proveito, repleta de pequenas partículas sólidas e ácaros que depois de levitarem pelo ar caem e se depositam em mim sem sequer questionarem se podem, se sou ou não alérgica às suas presenças. Tudo bem, eu deixo. Sempre deixei pousar no meu invólucro tudo o que me magoa. O importante é que o próximo fique bem, eu aguento-me. Não posso continuar a esquecer-me desta maneira...
A certeza irremediável é que nesta desarrumação sinto-me o caixote vazio deixado a um canto esquecido pelos homens da transportadora.
Na parte frontal, ao alcance dos olhos, tenho escrito : "Keep dry & handle with care", mas todos tratam com descuido...
Importante questionar: Afinal o que são estes homem da transportadora? Eles, tal como eu, em muitas ocasiões são caixas vazias. Eu já presenciei. Passageiros de uma vida insípida! Talvez necessitem de uma mão. Talvez precisem ser transportados...
Subitamente ganho uma força incontrolável e com ela as pernas que me faltavam!
Não aguento mais este local, portanto, pego nas minhas tralhas e zarpo em direcção ao mar. Ele chama-me...
24h depois...
Ontem fugi da desarrumação e fui até à costa, absorver as energias positivas que o mar tão bem nos sabe transmitir.
Era final de tarde, o sol punha-se no horizonte, bem atrás das minhas costas. Acabou por ter a sua ironia... Sentei-me no areal, observei as gaivotas intrigadas com aquela cara pensativa. Elas iam desfilando a sua elegância à minha frente, examinando-me cuidadosamente, tentando perceber se concebia algum tipo de ameaça. Era como se fossem nobres cavaleiros a proteger o seu tão vasto território. Sorri... Sorri pois aqueles olhos miúdos e curiosos notaram a minha presença escangalhada e, sem saberem, encheram-me de coragem. Despi-me de preconceitos: tirei as sapatilhas, as calças e por fim o casaco e t-shirt, ficando somente de roupa interior. Mais atrás um casal de namorados observavam incrédulos a minha atitude e riam com gargalhadas sonoras. Não me importei e sorri novamente. O mar chamava-me e eu fui ao seu encontro. Corri, senti a sua água salgada a gelar-me os pés, as pernas e sem medo mergulhei! Antes de entrar em choque térmico dei algumas braçadas, mergulhei várias e voltei para a areia dourada que o vento teimava em levantar. Estava frio e eu estava viva momentaneamente. Voltei a vestir-me, fui jantar, voltei ao aconchego do meu lar onde tomei um banho quente. Descobri mais uma vez os amigos e familiares fantásticos que tenho e nunca me deixam só e agradeci ao meu anjo, à minha fantástica vida, à natureza, às energias positivas, à simplicidade, à honestidade dos sentimentos. Concluí que sou feliz, que as amarguras do passado tornaram-se numa preciosa lição (as quais levarei sempre comigo) e que um dia esta tristeza vai-se dissipar em algo bom e positivo... Só preciso de completar mais um ciclo...
Espero ansiosamente não ser mais uma fase porque hoje acordei novamente em pranto, desejando que estivesses a meu lado com um sim rasgado nos teus lábios e no teu corpo como na recente noite que nos uniu... Felicidade momentânea arrasada pelo "não " do dia que se seguiu...
Podemos de tal modo dissociar a razão do coração e transformar-nos em máquinas ?
Ajeihad
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