quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Voei



Não posso deixar que venhas e encostes a tua cabeça no meu ombro. Não te quero agora, não te quero amanhã, simplesmente não te quero. Nem me olhes, porque hoje não te tolero sequer. 
Não tentes gerar comentários com a tua soberania, mania de grandeza ... Eu simplesmente não vou nem ouvir. Estou fora. Fui de férias. Apanhei o primeiro avião para a Amazónia e vou viver como os seus nativos.  Eles saberão o porquê... 
Sem preocupações, sem pressas, voei e deixei-me levar exclusivamente pelos sentidos e  pelo que me rodeia. Eu sou assim. Será que aceitas? Não te aproximes... Deixa-me estar...
Voei e agora estou aqui, nesta imensidão do sentir... Algo mudou. Reconheces-me? Eu não sei quem tu és, por isso fica aí. Tenho a consciência de que algo se passa no interior de mim mesma. E tu? Olhas para ti e vês-te? É simples, fica contigo.
Voei e não posso deixar que pises o mesmo chão. Por agora não. Estou a olhar com a cara voltada para cima e daqui consigo perceber os troncos altivos, que se estendem até aos céus, o verde das folhas,  que delimitam as copas das árvores, os raios de sol, que tentam alcançar o solo da floresta húmida. A sintonia da perfeição... Fecho os olhos e deixo que os sons tomem conta de mim. Formam uma miscelânea aprazível, mas impossível de decifrar. Sinto-me bem, e concluo que é disto que a vida é feita. Algo de bom, se a ouvirmos bem, mas que não nos permite certezas. Só temos de seguir e deixar-nos levar pelo que encontramos...
Não voaste comigo, tudo bem. Agora vejo-te daqui. E mesmo distante compreendo que não ouves os mesmos sons, nem olhas o que rodeia da mesma maneira que eu... 
Olha e, indubitavelmente, vê... Experimenta uma única vez uma razão que não é tua. Não venhas, simplesmente não venhas, mas volta quando assim compreenderes que é hora.

Ajeihad

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

E se eu não te amar mais

 Se eu não te amar mais me
 Caia o mar nos ombros
 Me caia
 Este silêncio pelos ossos dentro
 Me cegue os olhos esta sombra
 Me cerre
 Esta noite num escuro mais profundo
 Do que a chuva de ti de mãos tão leves
 A figueira do meu sangue se emudeça
 De pássaros à espera dos teus passos
 De outra voz por sobre a minha
 Morta
 E as ruas do teu corpo eu desaprenda
 Como desaprendi os dedos que em tocam
 E se eu não te amar mais me caia a casa
 De costa no teu peito como o vento

(António Lobo Antunes)

Où est la lumière de tes yeux? Solitude... 

Ajeihad

domingo, 9 de janeiro de 2011

Vigílias

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador


(Al Berto)

Ajeihad